Uma página branca. Uma cerveja preta no copo. O barulho da chuva batendo na janela, uma voz rasgada saindo da caixa de som ao ritmo calmo de um violão dedilhado. No meio disso tudo e desse todo que não significava nada, Jack tentava escolher que palavras iria usar dessa vez.
Como dizer tudo que sentia? Tudo que deixara de sentir? Tudo que não sabia se sentia?
A certeza é a dúvida mais cruel. Ela castiga quem a julga possuir, e tenta persuadir quem não a deseja. Dentre as manias de Jack, a que ele mais considerava dispensável era isso: sua fraqueza pelo certo. Não pelo padrão em seguir regras pré-impostas por uma sociedade ultrapassada, mas sim o certo de… plano. De decisão. De “sim é sim, não é não”. A insônia de não saber como sua vida prosseguiria dali para frente era muito mais incontrolável que qualquer saudade.
Mas ah, a saudade. Essa era outra mania detestável, também. Que bobeira é essa que o ser humano tem de sentir falta de alguém? E de alguém que… nunca teve? Jack adorava banhar-se desse sentimento nostálgico que é a ausência do objeto de desejo. Na verdade, a mania mesmo estava em sentir saudade de uma idéia criada para abastecer uma carência. Porque… Como sentir saudade de uma pessoa que nem conheceu? Que nunca esteve presente? Sente-se, então, a falta do eufenismo da imagem que se criou dessa pessoa. Do sorriso que ela nunca deu e das palavras que Jack nunca escutou. Mas, bem, a saudade estava ali, de qualquer jeito.
Agora o mais dispensável de todos os erros humanos é sua incrível habilidade em se… apaixonar. Jack era bom nisso. Uma paixão por semana, um flerte em cada esquina. Mergulhado em romances pré-modernos, querendo escrever em cadernos velhos linhas tortas de um amor medieval.
Que mal.
Tudo é doença, tudo é vício. É difícil conviver com uma mente tão inquieta e um coração tão contraditório. E se torna ainda mais difícil quando tudo isso resolve se estabelecer na mente de Jack de uma vez só, em uma noite chuvosa, com cerveja preta. Todas as manias, todas as paixões, todas as saudades.
No fundo do último gole preto de coragem, Jack pega o telefone e resolve deixar os dedos dançaram pelos números que trazem a voz de um olho claro qualquer do outro lado da linha. No fundo da última poça de sanidade e vontade, Jack fecha a alma, como quem tenta abafar uma tempestade com um toalha quente. Quem disse que problemas antigos precisam ser resolvidos? Aliás, quem disse que não há certeza no silêncio de alguém que não consegue falar?
Jack levanta, vai pegar outra cerveja. Deixa o coração esticado no chão, como se pensasse em voltar a usá-lo.
Mais uma mania horrível: esperança. E assim ele vive, um amor em cada esquina, um amor pra toda vida.